“Eu ronco e o problema é exclusivamente meu”. Mito ou verdade?

O ronco e a apneia obstrutiva do sono (AOS) são causas importantes para a má qualidade do tempo dormindo e, quando não tratados, estão associados à redução na expectativa de vida, aumento de risco para desfechos metabólicos e cardiovasculares, além de impacto na saúde mental. A literatura científica está repleta de pesquisas acerca do impacto negativo na saúde e na performance em diversos ambientes sociais de quem apresenta esses transtornos do sono. 

Diante de tantas informações sobre as consequências para a saúde do portador de ronco e AOS, seriam esses transtornos um problema exclusivo de quem os apresenta? A resposta é não. Como o sono é uma experiência compartilhada para muitos adultos, é um MITO acreditar que as consequências do ronco e AOS, por exemplo, são individuais. Num país como o Brasil, em que são estimados cerca de 49 milhões de portadores de apneia do sono, sendo 25 milhões com a forma moderada a grave da doença, o impacto social desse cenário é de se impressionar. Cada roncador pode impactar diretamente a vida de quem convive com ele e interferir em outras relações fora de casa, haja visto o comprometimento na performance laboral e escolar em função das noites de sono de má qualidade.

Em uma pesquisa realizada nos Estados Unidos, que utilizou questionário telefônico com cerca de 1.000 participantes, 67% referiram que são casados ou convivem com alguém que ronca e 31% usam quartos separados ou necessitam de tampões auriculares para dormir melhor. Em outra pesquisa com 1.032 mulheres, as que dormiam com roncadores apresentaram insônia, dor de cabeça matinal, sonolência diurna e fadiga numa taxa muito superior as das que dormiam com não roncadores. O cenário pode ainda ser mais preocupante: a taxa de divórcio entre casais em que um parceiro ronca é cerca de 2 a 3 vezes maior, conforme descrito em outro artigo, em função de queixas como exaustão, interferência no trabalho e problemas conjugais, superando questões financeiras.

Além de influenciar nas relações interpessoais, a saúde do parceiro ou parceira de cama do roncador também está sob risco. A fragmentação do sono pelo som intenso do ronco é uma das principais queixas referidas, com impacto direto no dia seguinte através de sintomas como sonolência excessiva diurna, irritabilidade, fadiga e “sono ruim” de acordo com o Índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh. Há outras questões sérias que também precisam ser destacadas, como o frequente uso de drogas para dormir por pessoas que dividem o quarto com roncadores e a angústia ao se observar as frequentes pausas respiratórias do parceiro durante o sono, gerando a necessidade de monitorar a sua respiração. 

Por outro lado, um estudo demonstrou que a inclusão de parceiros de roncadores no processo de adesão ao tratamento da AOS pode ajudar a desenvolver maior confiança nessa desafiadora jornada. Quando se fala do CPAP, a inclusão de uma abordagem colaborativa entre o casal é uma estratégia benéfica durante a etapa de adaptação e manutenção da terapia empregada. 

É indiscutível que quem dorme com pessoas que roncam sofre de queixas similares de sono de má qualidade. Ansiedade, depressão, fadiga e má qualidade de vida foram situações relatadas na maioria das pesquisas que avaliou os cônjuges de roncadores. Diante de tantas queixas sobre o sono, a ciência busca entender a ocorrência também de eventos metabólicos e cardiovasculares nesse grupo através de novas pesquisas. Outros artigos mostram que quando o casal é envolvido no processo completo de avaliação, diagnóstico e tratamento da AOS há maior sucesso em sua abordagem. Que a ciência ajude a manter juntos aqueles a quem Deus uniu e que os transtornos do sono não os separem. 

Por George Pinheiro

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Dr. George do Lago Pinheiro é médico otorrinolaringologista, com atuação na área da Medicina do Sono. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: Cartwright, R. Sleeping Together: A Pilot Study of the Effects of Shared Sleeping on adherence to CPAP Treatment in Obstructive Sleep Apnea. Journal of Clinical Sleep Medicine, Vol. 4, No. 2, 2008. Luyster, F. Impact of Obstructive Sleep Apnea and Its Treatments on Partners: A Literature Review. Journal of Clinical Sleep Medicine, Vol. 13, No. 3, 2017. Kiely, JL, et al. Bed Partners’ Assessment of Nasal Continuous Positive Airway Pressure Therapy in Obstructive Sleep Apnea. CHEST / 111 /5/ May, 1997. Benjafield, AV et al. Estimation of the global prevalence and burden of obstructiv

Fonte: Matéria publicada na Revista Sono – UMA PUBLICAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DO SONO – Edição 27/2021

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